terça-feira, 17 de setembro de 2013

ICMS dos importados e guerra dos portos: mais um confisco arrecadatório


A “Guerra Fiscal”, luta travada pelas unidades da Federação para atrair investimentos e negócios para seus territórios, dentro de sua vertente conhecida como“Guerra dos Portos”, chegou ao ponto de tamanha ferocidade que põe em risco a saúde da indústria nacional que ainda insiste em produzir bens e mercadorias no país. 

A Resolução do Senado Federal 13, de 25/04/2012, estabeleceu a alíquota do ICMS em 4%, para operações internas interestaduais com bens e serviços importados do exterior. Este ato do Senado, com as regulamentações advindas do Confaz, trouxe para as empresas que operam com produtos importados reflexos importantes na formação de seu preço de venda nas operações interestaduais. Trazendo instabilidade administrativa tributária e comercial para empresas que operam com produtos importados.

Sob o pretexto de fixar alíquotas interestaduais e tentar acabar com “Guerra dos Portos” na verdade o Senado Federal criou um problema fiscal e de caixa para as empresas importadoras que comercializam preponderantemente seus produtos importados em unidades da federação diferentes da qual ocorreu a importação, como a seguir veremos.

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) interestadual de 4%, estabelecido pela Resolução da Guerra dos Portos, passou a ser uma nova fonte de créditos acumulados para estas empresas. Se não ocorrerem operações internas em volume suficiente para absorver o crédito relativo ao ICMS incidente nas operações de importação, o contribuinte passará a acumular de forma contínua e indefinida créditos escriturais deste imposto desembolsado no desembaraço e não compensado.

Por ocasião do desembaraço aduaneiro a alíquota do Icms continua sendo 17 ou 18%, conforme a unidade da federação. Para as empresas cuja maioria das vendas ocorra para outros Estados, com alíquota interestadual de 4%, o crédito de Icms (Icms pago na compra e não compensado), simplesmente vira custo adicional. 

Tem-se neste caso, o desembolso de 17% na importação e um débito de apenas 4% por ocasião da venda, gerando o acumulo de créditos de Icms. Os créditos de Icms constituem o problema mais grave hoje dos tributos indiretos para a competitividade das empresas brasileiras. Inúmeros são os casos de existência de créditos de Icms acumulado, leia-se imposto pago e não compensado. Inúmeras são as formas que o fisco tenta impedir que as empresas possam reaver estes recursos em seu caixa.

Como sabemos, a Constituição Federal estabelece o ICMS como sendo um imposto não cumulativo, onde o imposto cobrado nas compras, será compensado com o devido nas vendas:

“Art. 155 – Parágrafo II, inciso I - "I - será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;"

O crédito de ICMS, constitui um imposto desembolsado e não restituído, em função, como vimos, da incidência na saída ser inferior a incidência na entrada. Trata-se de um confisco, a medida que a empresa não tiver débitos próprios para compensá-lo.

Através do princípio da não-cumulatividade, referido no artigo 155 da Constituição Federal, afasta-se a duplicidade da cobrança. Para realização deste princípio, mantém o contribuinte verdadeira conta correte de débito e crédito. Ao término de um período, este conta corrente é objeto de acerto.

Porém apenas objeto de acerto unilateral, porque somente ocorre quando apresentado crédito a favor do fisco. O contribuinte fica obrigado a recolher o saldo apresentado na conta aos cofres públicos, desde que saldo credor, repita-se, a favor do Estado.

O direito de compensação em favor do contribuinte não pode sofrer restrições. Aceitar que a lei e o fisco é que vão disciplinar o gozo deste direito, implica em reconhecer, equivocadamente, o que a Administração Pública pode a seu critério esvaziar o princípio da não-cumulatividade. Ou seja, um direito concedido de maneira tão irrestrita pela Carta Constitucional não pode navegar ao grado da vontade do Fisco.

Se o objetivo é desonerar, então porque não foi desonerada a incidência do ICMS na importação, a qual permaneceu intacta, com alíquota cheia.

A necessidade de caixa dos Governos Estaduais acabou desvirtuando o honrado princípio da não-cumulatividade do ICMS, prevista na Constituição Federal, do contrário não teríamos a problemática do acúmulo de créditos deste imposto, situação aqui referida e ora mais uma vez criada pela Resolução do Senado Federal número 13, instituída sob o pretexto de acabar com a guerra fiscal dos portos.

Este aumento de custos com importação, gerado pelo acúmulo de créditos de ICMS de forma contínua por estas empresas, acaba conflitando com outro dispositivo Constitucional, o da Isonomia Tributária:

“Art. 152 – É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.”

Esta determinação Constitucional, por sua vez, recepciona os princípios definidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Organismo internacional que tem como objetivo garantir o acesso equitativo dos países membros aos mercados, surgiu em substituição ao Gatt, criado pela ONU após a segunda guerra mundial.

Além dos princípios da “previsibilidade de normas”, e o da “concorrência leal”, um dos princípios norteadores da OMC, é o chamado “princípio da não discriminação.”

O princípio da “não discriminação” é que garante tratamento igual a todos os membros no que se refere aos privilégios comerciais e aos produtos importados e nacionais, os quais não podem ter privilégios em detrimento dos importados.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu com base nos artigos 150 a 152 daConstituição Federal que, em relação ao IPVA, a alíquota deve ser idêntica para veículos importados e nacionais. Estas decisões hoje pacificadas e em vigor foram devidamente fundamentadas nos princípios constitucionais aqui referidos e nas normas internacionais de comércio exterior, fundamentadas no principio de igualdade de tratamento tributário entre produtos nacionais e importados.

Uma vez definido, e colocado em prática como hoje está, o fato de que não pode ter diferença de imposto, no caso o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automores, de competência estadual, entre veículos de fabricação nacional e veículos importados.

Temos então dois impostos de competência estadual, o IPVA e o ICMS, o primeiro – IPVA, com a proibição de se estabelecer alíquotas diferenciadas entre o produto nacional e o importado, e o segundo - ICMS, com o permissivo de estabelecer-se alíquotas diferenciadas, entre produtos nacionais e importados, conforme o fez a Resolução do Senado Federal 13/2012.

O sábio legislador, ciente dos motivos constitucionais aqui expostos e em observância as normas de comércio internacional, tomou as devidas precauções. As alíquotas do ICMS devidas no desembaraço aduaneiro continuam as mesmas, integrais, normalmente na casa dos 17%. Como vimos a mudança ocorre quando da venda para outros estados do produto desta importação, vez que neste momento a alíquota será de apenas 4%. No entanto, no momento desta venda a arrecadação do governo estadual com ICMS já ocorreu de forma integral, com alíquota cheia, lá no desembaraço aduaneiro.

Quem suporta o ônus, portanto, são as empresas que não conseguem compensar o ICMS pago, em tese não cumulativo, conforme vimos na Constituição Federal. Então o que temos é uma lógica confiscatória mais uma vez. As empresas pagam, não compensam e ficam com crédito teórico escritural, no jargão comercial uma “moeda podre”, para receber do fisco.

Enquanto as medidas propagadas nos discursos oficiais e na mídia tratam de redução de alíquota de ICMS para produtos importados, o que temos na prática é um aumento da carga tributária para as empresas importadoras que realizam suas vendas para outros estados.

Fonte: Ivo Ricardo Lozekam – Tributarista – Diretor da Lozekam Consultoria Tributária Ltda.

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